Com a maior votação da história Lula é eleito e volta para o terceiro mandato de presidente
Após a disputa mais acirrada desde a redemocratização e uma campanha turbulenta, marcada por uma polarização histórica, guerra suja nas redes sociais, batalha religiosa e episódios de violência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito com a maior votação da história para presidente da República neste domingo (30/10), ao derrotar no segundo turno Jair Bolsonaro (PL), atual ocupante do Palácio do Planalto.
O resultado foi confirmado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) às 19h57, quando 98,81% das urnas já tinham sido apuradas. Àquela altura, o petista tinha 50,83% dos votos válidos e não poderia mais ser alcançado pelo atual presidente, que disputava a reeleição.
Ao fim da apuração, Lula ficou com 50,90% (60,3 milhões de votos, a maior votação da história), e Bolsonaro, com 49,10% (58,2 milhões de votos). Desde que as eleições presidenciais livres foram retomadas, em 1989, essa é a menor diferença tanto em termos percentuais quanto em números absolutos (2,1 milhões de votos a mais para o ganhador). Ao superar a marca de 60 milhões de votos, Lula tornou-se o presidente eleito mais votado da história.
Já Bolsonaro é o primeiro presidente a fracassar na busca por ser reconduzido ao posto desde a redemocratização. Ao longo da corrida, seu governo lançou mão de diversas medidas para aumentar a popularidade e tentar ampliar as chances de reeleição.
Uma delas foi a chamada PEC Kamikaze. Aprovada em julho, a Proposta de Emenda à Constituição possibilitou a elaboração de um pacote de benefícios sociais, ao driblar a lei que proíbe criar despesas em ano eleitoral. A medida permitiu, por exemplo, o aumento do Auxílio Brasil (de R$ 400 para R$ 600) e do vale-gás. Também implantou uma ajuda a caminhoneiros e taxistas. Todos esses repasses, no entanto, valem só para 2022.
No segundo turno, dispararam ainda as denúncias de assédio eleitoral em empresas. A prática, que é ilegal, consiste na tentiva de influenciar o voto de empregados por meio de ameaças, coação e promessas de regalias.
Lula, de seu lado, apostou na construção de uma frente ampla que reuniu, inclusive, ex-adversários políticos: o vice de sua chapa é Geraldo Alckmin (PSB) – os dois foram rivais no pleito de 2006. Ao superar Bolsonaro, o presidente eleito demonstrou ter apoio popular mesmo diante de escândalos de corrupção das gestões petistas e reforçou a capacidade de articulação, ao reunir amplo arco de alianças.
Na mesma linha, enquadra-se o apoio declarado por economistas que criaram o Plano Real (Armínio Fraga, Edmar Bacha, Pedro Malan e Persio Arida). Na reta final, o petista teve a seu lado candidatos que haviam sido derrotados no primeiro turno das eleições 2022, caso de Simone Tebet (MDB), e se reaproximou de Marina Silva (Rede), de quem estava afastado.
Torneiro mecânico, líder sindical e membro fundador do PT, Lula, de 77 anos, é o primeiro ex-presidente a voltar ao cargo. Ele governou por dois mandatos, entre 2003 e 2010 – o terceiro começa em 1º de janeiro de 2023. Deixou o Planalto com aprovação recorde e foi sucedido por Dilma Rousseff (PT), que esteve à frente do Executivo entre 2011 e 2016, quando sofreu impeachment.
Desta vez, o petista terá quatro dias a mais para governar o país – uma reforma eleitoral aprovada em 2021 definiu que, em 2027, a posse presidencial será em 5 de janeiro. Lula retorna 12 anos após encerrar seu segundo governo e três depois de sair da prisão, onde passou 580 dias.
Condenado pelo ex-juiz Sergio Moro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá, no âmbito da Operação Lava Jato, o petista foi preso em abril de 2018. Ele deixou a carceragem, em Curitiba, em novembro de 2019, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a prisão em segunda instância. Em março de 2021, a Corte anulou as condenações impostas por Moro, que foi ministro de Bolsonaro e neste ano se elegeu senador pelo Paraná.
Após a confirmação do resultado da eleição deste domingo, Lula foi comemorar com aliados e simpatizantes na região da Avenida Paulista, em São Paulo, onde falou a apoiadores. No discurso da vitória, afirmou que é hora de restabelecer a paz.
“Não existem dois Brasis”, declarou. Durante a fala, prometeu governar para todos os brasileiros e afirmou que o ódio foi propagado de forma criminosa no país.
Disputa voto a voto
A campanha do segundo turno durou quatro semanas. Lula e Bolsonaro percorreram o país em busca dos votos dos eleitores indecisos ou que tinham votado em outros candidatos no primeiro turno.
Em um cenário de forte polarização, Lula e Bolsonaro travaram uma “guerra santa” em busca de votos de fiéis religiosos, trocaram acusações de fake news e protagonizaram um disputa de popularidade com apoios de artistas e recordes de audiência em podcasts e emissoras de TV.
Chapa Lula-Alckmin
O vice-presidente eleito é Geraldo Alckmin (PSB), político que detém o recorde de maior tempo à frente do governo estadual de São Paulo – maior colégio eleitoral do país – desde a redemocratização.
A improvável aliança entre Lula e Alckmin foi confirmada em abril, poucos meses após o ex-governador deixar o PSDB, partido que ajudou a fundar e ao qual foi filiado por 34 anos. A campanha de Bolsonaro chegou a explorar a antiga rivalidade entre os políticos, mas não conseguiu reverter o resultado das urnas.
Ao longo da campanha, Alckmin agiu para reduzir a resistência de empresários e investidores à campanha de Lula. A ideia era sinalizar que um eventual terceiro governo Lula seria moderado, com viés de centro-esquerda e não buscaria “vingança” pela sequência de derrotas enfrentada pelo PT em anos anteriores.
Os últimos 12 anos
Ao fim do segundo mandato, em dezembro de 2010, Lula se preparava para entregar a faixa à sucessora Dilma Rousseff (PT) com uma aprovação recorde: 80% consideravam o governo bom ou ótimo, segundo o Ibope, e 87% avaliavam bem o próprio presidente.
Os anos seguintes, no entanto, seriam difíceis para o PT. Dilma se reelegeu em 2014 por uma margem apertada, com a pressão de uma crise econômica, e não chegou a concluir o segundo mandato – interrompido por um impeachment confirmado no dia 31 de agosto de 2016.
Em abril de 2018, Lula se tornaria o primeiro presidente pós-ditadura militar a ser preso, e o primeiro da história do país a ser preso por crime comum. O político tinha sido condenado em duas instâncias – em julho de 2017 e, depois, em janeiro de 2018 – por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá.
Lula passou 580 dias preso e só foi solto em novembro de 2019, quando o STF reviu o entendimento da prisão em segunda instância e determinou que os réus do país tinham direito a recorrer em liberdade até o trânsito em julgado.
Enquanto estava preso, Lula chegou a se apresentar como candidato para as eleições de 2018, mas foi obrigado a ceder espaço para Fernando Haddad – que chegou ao segundo turno, mas foi superado por Jair Bolsonaro no que seria a única derrota do PT em eleições presidenciais no século 21, até o momento.
Em março de 2021, o ministro do STF Luiz Edson Fachin anulou as condenações de Lula impostas pela Justiça Federal do Paraná no âmbito da Operação Lava-Jato. A decisão foi confirmada pelo plenário e, com isso, Lula hoje não tem qualquer condenação judicial.