Dia da mulher após viver em barraco de lona e trabalhar como doméstica, juiza é destaque
Sob um barraco de lona, Claudirene Andrade tinha apenas um sonho: uma casa para reunir a família e dar condições melhores para os pais — e sempre soube que essa conquista viria por meio dos estudos. Ela seguiu essa promessa firmada com ela mesma até alcançar o cargo de juíza da 2ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra, a 242 km de Cuiabá.
Apesar de ter alcançado sua meta, os obstáculos ainda persistem.
“É um desafio ter que domar o cabelo para entrar em uma sala de audiência e ouvir onde é que está a juíza. Então, é um desafio de querer outros iguais e ter espelho. É um desafio que vai demorar para se sentir em casa e não se sentir um estranho”, afirmou.
Mas Claudirene sabe como enfrentar tudo isso, já que encarou inúmeras dificuldades na vida: passou fome, dormiu em barraco em uma ocupação, trabalhou como empregada doméstica em várias casas e, sem ter uma moradia fixa, morou de favor enquanto sonhava em seguir com os estudos para, até então, se tornar médica.
Aos 13 anos, quando um tio morreu ao ficar doente e a família não ter condições financeiras de arcar com o tratamento, Claudirene jurou para si mesma que não ia permitir que os pais passassem pela mesma situação e, assim, passou a se dedicar ainda mais aos cadernos, livros e lições que aprendia.
“Eu vi meu pai muito triste por perder o irmão por falta de dinheiro e eu não queria que a cena se repetisse. Ali, eu tracei o meu futuro”, contou.
Claudirene lembra o desprezo com que foi tratada por diferentes famílias quando era empregada doméstica. Em uma delas, os filhos da patroa apostavam quanto tempo ela aguentaria trabalhando na casa e, a partir disso, atrapalhavam o serviço dela diariamente.
A história se repetia em cada casa na qual ela era conseguia um trabalho ou era convidada para “passar um tempo”, de favor.
“Em uma delas, fui expulsa por um motivo banal. Peguei minhas coisas e fui para o ponto de ônibus e fiquei sem saber para onde ir. Eu vivi muito essa luta de não ter onde morar em Cuiabá e eu sonhava muito em trazer meus pais”, afirmou.
Assim que completou 18 anos, soube de uma ocupação em Nova Conquista, na capital, e resolveu participar do movimento. Lá, montou o próprio barraco, que não era fechado nas laterais, já que a lona que conseguiu comprar era pequena demais e dava somente para o teto. Ali, entre inúmeros outros problemas, viveu por três meses, até juntar dinheiro para alugar uma casa e reunir a família.
Da infância, Claudirene lembra que sua boneca era uma espiga de milho e que brincava com os amigos na rua e subindo em árvores.
“Era uma região muito pobre. Foi um período muito difícil e de trabalho, porque eu comecei a trabalhar muito nova. Foi uma dificuldade familiar, material e até emocional”, lembrou.
Ao prestar vestibular para medicina, ela não passou nas provas práticas, como natação na época, mas insistiu em seguir nos estudos e, por isso, entrou no curso de geografia na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ao se formar, ela passou a dar aulas na área e decidiu entrar no direito.
Assim que iniciou o novo curso, o pai dela morreu e a mãe adoeceu. Claudirene passou, então, a cobrir o plano de saúde da mãe. Enquanto se preparava para o concurso na Justiça, ela perdeu uma amiga e, no dia em que foi aprovada na prova, soube que o irmão estava doente.
Ela foi chamada para assumir a vaga na Justiça em Rondônia e, depois, no Acre. Anos depois, retornou para Mato Grosso para se tornar titular da 2ª Vara do Trabalho de Tangará da Serra.