Do leito do hospital, Erundina frustrou manobra de Lira para salvar Bolsonaro
A confusão começou pouco antes do meio-dia de quarta-feira. O Conselho de Ética, que deveria zelar pelo decoro na Câmara, virou palco de insultos e agressões entre deputados.
“Você quer testosterona? Vamos lá fora para eu te dar”, desafiou o lulista André Janones. “Bate aqui em mim”, devolveu o bolsonarista Nikolas Ferreira, campeão de votos em 2022.
Os dois ensaiaram um confronto físico, mas se deixaram separar por assessores e seguranças. A Polícia Legislativa escoltou Janones para fora da sala, arrastando o tumulto para o corredor.
“Ladrão! Vagabundo!”, berrava o deputado Zé Trovão, chapéu de boiadeiro na cabeça e celular na mão. Preso há três anos por incitar a violência contra o Supremo, ele agora dispõe de gabinete e imunidade para radicalizar.
Como atores de telecatch, os deputados encenavam fúria e indignação para as câmeras. São personagens de um novo tipo de política, que semeia a baixaria para colher curtidas e compartilhamentos nas redes.
No meio da tarde, a Câmara foi tomada por um rebuliço mais discreto. Os governistas foram surpreendidos por uma nova jogada de Arthur Lira para salvar a pele de Jair Bolsonaro.
Numa armação de bastidor, o chefão da Câmara ressuscitou projeto apresentado por um ex-deputado petista para invalidar delações feitas na cadeia. Ao redigir o texto, no auge da Operação Lava-Jato, Wadih Damous queria proteger o presidente Lula. Oito anos depois, a proposta se revelou útil para a defesa do capitão.
Aliados de Lira subscreveram um requerimento de urgência para votar o projeto em velocidade relâmpago. O plano era anular a delação do tenente-coronel Mauro Cid, que entregou a participação de Bolsonaro na tentativa de golpe e no desvio de joias.
À noite, as duas tramas se cruzaram. Hostilizada pela tropa bolsonarista na Comissão de Direitos Humanos, a deputada Luiza Erundina, 89 anos, passou mal e foi internada. A comoção e os protestos contra a violência política forçaram a suspensão dos trabalhos na Casa.
O incidente impediu que a manobra bolada por Lira virasse fato consumado. Do leito do hospital, Erundina fez mais pela imagem da Câmara que líderes e agitadores em plenário.
Por Bernardo Mello Franco de O Globo