Educação Pública em Mato Grosso será o seu fim?
Depois do anúncio do fechamento de três escolas periféricas em Várzea Grande , e das notícias de fechamento de 300 unidades por todo estado, hoje o governo de Mato Grosso publicou no Diário Oficial um decreto com o planejamento de fim das aulas para classes dos primeiros anos do ensino fundamental até 2027 . Esse cenário está tirando o sono de educadores, estudantes e familiares que já sofrem com a pandemia e a inação do Ministério da Educação. Hoje também, o Túlio Ferreira, do Coletivo de professores de MT, divulgou o texto abaixo, que reflete o desalento e a falta de perspectiva para a educação no estado. Mas também há o chamado à luta e à resistência.
Confiram:
Nos encontramos no dilema do barão de Munchhausen. A história narra um feito incrível deste homem alemão que certa vez, acidentalmente, caiu num lamaçal e não conseguia sair. Sem ninguém para ajudá-lo por perto, a única opção era ele mesmo dar jeito de sair da situação em que se encontrava. Diante do desespero, na iminência da morte, atolado até o pescoço, agarrou firmemente com as mãos seus próprios cabelos e o puxou para cima, salvando-se do destino certo que o aguardava.
Neste momento, somos vários barões de Munchhausen, atolados na lama e cientes do futuro que se aproxima. Sabemos que as políticas em desenvolvimento no âmbito federal e estadual é a iminência da morte. Para ter certeza que não apregoo sensacionalismo ou alarde sem razão, vale a pena trazermos alguns fatos à tona. Estamos a menos da metade do mandato do Bolsonaro e do Mauro Mendes, quase dois anos de agonia dos serviços públicos.
Mas a jornada não começa em 2019. Se agrava pós-impeachment em 2016 e a votação da então PEC241 na Câmara dos deputados, PEC55 no Senado e atual EC95. Aí se encontra o ponto nodal de toda a situação. Nela se estabeleceu o congelamento por 20 anos (isso mesmo, 20 anos) sem gastos a mais em qualquer área pública acima da inflação. Para não delongar num texto que não há intenção de ser um artigo e sim uma convocação à resistência, partamos da EC95. Com o orçamento constitucionalmente estrangulado, desdobra-se as múltiplas ações que vão de encontro à nossa existência. Sim, a existência da classe-que-vive-do-trabalho, como diz Ricardo Antunes.
Os inimigos nos atacam em diversos front. Golpeiam a lei 7.040 (Lei da Gestão Democrática) com o seletivo para secretário e para diretores das unidades escolares, extinguindo o processo de eleição e escolha entre pares e comunidade. A portaria nº 562/2020/GS/SEDUC-MT vem para “atualizar” a LOPEB (Lei dos profissionais da educação básica); lembremos, atualizar num governo neoliberal sob a forma do Estado de Exceção, como nos lembra Giorgio Agambem, é, certamente, a destruição da carreira.
Os servidores do executivo – lógico, somente do executivo – estão sem a correção inflacionária (RGA-Revisão Geral Anual) desde 2018. Antes mesmo da lei federal 173, Mauro Mendes já se adiantava em relação a Paulo Guedes e Bolsonaro com seu pacote de maldades com o aval da ALMT que aprovava o “estado de calamidade financeira” mesmo perdoando dívidas do agronegócio no montante aproximado de R$6 bilhões de reais. Sobre a lei federal 173, versa o congelamento de qualquer aumento salarial, elevação na carreira, contagem do tempo de serviço, suspensão de férias prêmio até dezembro de 2021.
Também tem a lei 510/2013 que busca equiparar o salário dos profissionais da educação em relação as demais carreiras do poder executivo; não é cumprida em todo mandato do Mauro Mendes. Temos também a “reforma” da previdência: aumentou a alíquota de contribuição em 3% (nosso salário ao invés de subir ou ao menos estagnar, está diminuindo); trabalharemos de 5 a 7 anos a mais; aposentaremos com no máximo o teto do INSS (acabou a aposentadoria proporcional). Continuam a descontar da Dedicação Exclusiva mesmo o TJMT dando ganho de causa que é para cessar o desconto, haja vista que não entra no cálculo da aposentadoria. Mauro Mendes já solicitou ao Ministério Público um estudo que viabilize terceirizar as funções de Apoio e Técnico na educação.
Não há chamamento do cadastro de reserva dos aprovados em concurso, do edital do ano de 2017. Essas breves considerações dizem respeito tão somente à área educacional do estado de Mato Grosso, sem levar as questões na esfera federal e outras áreas como meio ambiente, segurança, mobilidade urbana, agricultura familiar, saneamento básico, privatizações, desemprego, etc. Afinal, enquanto estávamos distraídos, como disse o ministro da economia: “colocamos a granada no bolso do inimigo”. Sim, o governo nos declara inimigos e, a partir do critério político schmittiano, na dicotomia amigo/inimigo, se estabelecem as bases das políticas a serem implementadas. O inimigo deve ser eliminado!
Se tem algo que posso afirmar para vocês no dia de hoje é que o modo de vida que levamos e a maneira com que o Estado se organiza tenta nos roubar a dignidade e nos colocar em condição de pobreza. A esperança é uma virtude humana. Independente do posicionamento político, todo ser humano tem a capacidade de sonhar com um mundo diferente do que vivemos. Sonhar para frente, um sonho a ser realizado e nunca só um sonho que fica na estação sempre distante da realidade.
Por isso, a esperança enquanto imanente vontade humana de criar um horizonte que abra as possibilidades reais para um presente diferente se relaciona com a luta! “Não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta, levanta aí que você tem muito protesto para fazer, você pode, você deve”. O sonho deve ser no presente, hoje!
Acredito que concordem sermos vários barões de Munchhausen. Não haverá messias para nos salvar do lamaçal, até mesmo porque o messias de hoje diz não fazer milagres. Teremos que fazer nosso próprio milagre, sem depender do auxílio divino, assim como o barão de Munchhausen contrariando as leis da física ao exercer força sobre seu próprio corpo colocá-lo em movimento.
Teremos que puxar nossos próprios cabelos, e com muita força! Essa relação com a história do barão de Munchhausen significa que dependemos somente de nós mesmos para escapar do futuro previsível que se avoluma no horizonte e, para isso, deveremos desafiar as regras. Já é suficiente as razões que temos para lutar com radicalidade, afinal, não nos situamos numa situação democrática e, se quisermos assegurar nossos direitos teremos que dispor da própria liberdade. Não se enganem com passeatas e notas de repúdio na ilusão de surtir efeitos. Teremos que ocupar e resistir com a última arma que nos restou após sermos espoliados de todos os meios, nossos corpos! Os corpos no espaço materializam os anseios alijados da esperança coletiva!
À luta!
Fonte: JornalistasLivres.