Pais vão a imprensa para cobrar explicações sobre a morte de filha no PA infantil

“Não pode acontecer com outras crianças o que aconteceu com a minha pequena. Hoje completa um mês que eu ouvi a voz da minha filha pela última vez”. Essas são palavras de um pai que no último dia 23 de junho perdeu a filha. A pequena Ana Rafaela Fernandes Amaral, de 3 anos e 7 meses, deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento Infantil de Rondonópolis, o ‘PAzinho’, e, entre idas e vindas, não resistiu a um quadro de infecção. Agora, o pai, Maykon Fernandes de Souza, que aceitou conversar com a reportagem do portal AGORA MT, pede Justiça. “Não quero deixar isso no esquecimento. Porque isso tem que ser cobrado”, diz.

O caso se tornou público na última semana. Maycon, assim como a mãe da criança, Suzeli, contaram a alguns veículos de imprensa o ocorrido. Mais recentemente, uma representação junto ao Ministério Público (MP) foi protocolada pela vereadora Kalynka Meireles (Republicanos). O documento é extenso e endereçado à promotora da Justiça, doutora Patrícia Eleutério.

A representação pede que o MP “promova investigação da estrutura física e humana ofertada pelo Pronto Atendimento Infantil, localizada no município de Rondonópolis-MT, para atendimento dos pacientes”. “O MP, enquanto fiscal da ordem pública, é órgão competente para investigar e apurar eventuais irregularidades na prestação de serviços públicos prestados à coletividade”, argumenta.

A família também denunciou, e já tem advogados acompanhando o caso, como conta Maycon à reportagem. “Já fui na imprensa, já prestei queixa na Ouvidoria [do MP]. Eu não tenho problema nenhum em falar com ninguém. Dia 1 de junho, às 4h da manhã foi a última vez que ouvi minha filha. É doloroso lembrar, mas o que eu não quero é deixar isso no esquecimento”, diz.

OS FATOS

O relato abaixo consta na representação encaminhada ao Ministério Público:

“No dia 27 de maio estiveram no Pronto Atendimento Infantil os pais da criança Ana Rafaela Fernandes Amaral, Sr. Maykon Fernandes de Souza e Sra. Suzeli Amaral dos Santos. Chegaram ao PA infantil durante a madrugada com a criança em estado de febre. A médica examinou e diagnosticou infecção de ouvido, provavelmente proveniente de secreção gripal alojada na região. A mesma médica passou medicamento e mandou para casa.

No dia 28 de maio os pais voltaram ao PA infantil, por volta do meio dia, porém o atendimento aconteceu somente por volta das 14h, depois de uma discussão, pois, segundo os pais, estavam passando outros pacientes na frente e fichas haviam sido perdidas. Uma segunda médica avaliou a criança, mandou manter a medicação, não solicitou nenhum exame e disse que poderia ir para casa.

Após dois dias, no dia 31 de maio, mais uma vez a família retorna ao PA infantil, ainda durante o período da manhã, onde uma terceira médica examinou a criança e questionou o fato de ter sido prescrito apenas cinco dias de medicamento, sugerindo, inclusive, falta de conhecimento por parte da médica anterior, pois, como se trata de infecção, deveria ser, no mínimo, dez dias de medicação. Então, essa médica prescreveu mais medicação e mandou continuar o tratamento em casa. Lembrando que já havia passado cinco dias e a criança permanecia tendo febre, sem se alimentar e o ouvido vazando secreção purulenta e nenhum exame solicitado, até então.

No dia 01 de junho, por volta das 3h da madrugada à criança fez um vômito e os pais, mais uma vez, levaram a criança até o PA infantil. Um quarto médico fez o atendimento da criança, questionando o motivo de não ter colhido nenhum exame. Ele solicita a coleta do exame de sangue e entra com medicação intravenosa. No início da manhã a criança parou de responder estímulos, os pais, imediatamente chamam a equipe médica. A criança é encaminhada para o box de emergência e lá fazem a medicação.

Entre 9h e 9h40 chegou o resultado do exame de sangue, apontando uma infecção grave. Às 10h a terceira médica que atendeu a criança, foi até os pais e informou que teria que entubar, questionando a situação da criança, já que no dia que ela fez o atendimento ela estava falando e andando.

Os pais repassaram à médica que o quarto médico disse que já deveriam ter solicitado exames, e ela respondeu que não é obrigatório solicitar exame quando a criança está andando e falando. Às 11h o PA infantil informou aos pais que a criança deveria ser transferida para o Hospital da Santa Casa, pois lá teriam mais recursos, inclusive a UTI, então foi feito o agendamento da transferência do PA infantil para Santa Casa no mesmo dia às 13h.”.

“NÃO URGENTE”

Ainda conforme o documento, em “todo tempo o prontuário da criança está anotado como NÃO URGENTE, porém, a médica intensivista da SAMU disse aos pais que a pupila da criança estava dilatada e os médicos da Santa Casa que receberam a criança apontaram situação muito grave, com pouco a ser feito.

A criança ficou internada na UTI da Santa Casa por 24 dias, vindo a óbito no dia 23 de junho de 2022″.

“FALHAS”

O documento denuncia, ainda, que “durante todo processo, ficou evidenciado a falta de estrutura de atendimento direcionado a criança, uma vez que uma doença simples e inicialmente pouco grave a levou a óbito. O desfecho da história poderia ter sido evitado meramente através de olhar individualizado, com a solicitação de exames e acompanhamento do prognostico, que não foi realizado, essencialmente, em decorrência da reduzida equipe levada a altos níveis de estresse e desgaste, tanto físico quanto emocional, para atender ao grande volume de demandas daquela unidade”, diz.

“A extensão da falha é ainda maior quando se verifica que o primeiro exame de sangue solicitado a criança somente foi realizado quando ocorreu crise convulsiva, momento em que o Glasgow apontava índice 13, que equivale, na nomenclatura médica, a lesão cerebral”, completa.

OUTRO LADO

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Rondonópolis informou: “O Município vai aguardar o posicionamento do Ministério Público para poder se manifestar sobre o caso”.